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quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Por que eu sou anarquista?


O movimento anarquista na América do Norte é predominantemente branco, de classe média e, em sua maior parte, pacifista; assim surge a pergunta: por que eu sou parte do movimento anarquista, já que eu não sou nenhuma dessas coisas? Bem, embora o movimento não possa ser agora o que eu acho que deveria ser na América do Norte, eu visualizo um movimento de massas que terá centenas de milhares, talvez milhões, de negros, latinoamericanos e outros trabalhadores não-brancos. Não será um movimento anarquista em que os trabalhadores negros e outros oprimidos vão simplesmente "entrar" - será um movimento independente com a sua própria visão social, imperativo cultural, e agenda política. Será anarquista em sua essência, mas também irá estender o anarquismo a um grau que nenhum grupo social ou cultural europeu anterior já tenha feito. Estou certo de que muitos destes trabalhadores vão acreditar, como eu, que o anarquismo é a forma mais democrática, eficaz e radical para obter a nossa liberdade, mas que devemos ser livres para projetar os nossos próprios movimentos, sendo compreendidos ou " aprovados" pelos anarquistas norteamericanos ou não. Temos de lutar pela nossa liberdade, ninguém mais pode nos libertar, mas eles podem nos ajudar.

Eu escrevi esse livreto para: (1) inspirar uma federação nacional antirracista e antipolicial contra a violência policial, que seria iniciada pelos anarquistas ou, pelo menos com forte participação de anarquistas; (2) criar uma coalizão entre anarquistas e organizações negras revolucionárias, como o novo movimento dos Panteras Negras da década de 1990; e (3) para desencadear uma nova efervescência revolucionária em organizações nas comunidades afroamericanas e de outros povos oprimidos, onde o anarquismo é somente uma curiosidade, se tanto. Eu pensei que se um revolucionário libertário sério e respeitado colocar essas idéias adiante, elas seriam mais propensas a ser levadas em consideração, o que não seria o caso se fosse um anarquista branco, ainda que bem intencionado. Eu acredito que eu estou correto sobre isso. Então,é por isso que eu sou anarquista.

Na década de 1960, eu fazia parte de uma série de movimentos revolucionários negros, incluindo o Partido dos Panteras Negras, que eu me sinto que fracassou, em parte, por causa do estilo de direçãoautoritário de Huey P. Newton, Bobby Seale e outros do Comitê Central. Esta não é uma recriminação contra os indivíduos, mas muitos erros foram cometidos porque a direção nacional era muito separado dos núcleos nas cidades de todo o país e, portanto, comprometida pelo "dirigismo", ou seja, trabalho forçado ditado pelos líderes. Mas muitas contradições também foram criadas por causa da estrutura da organização como grupo marxista-leninista. Não havia muita democracia interna do partido e, quando as contradições surgiram, foram os líderes que decidiram sobre a sua resolução, e não os membros. Expurgos se tornaram  comuns, e muitas pessoas boas foram expulsas do grupo, simplesmente porque não concordavam com a direção.

Devido à importância excessiva da direção central, a organização nacional foi finalmente liquidada integralmente, embalada e enviada de volta para Oakland, Califórnia. Claro, muitos erros foram cometidos porque o BPP era uma organização jovem e estava sob ataque intenso do Estado. Eu não quero dar a entender que os erros internos foram as principais contradições que destruíram o BPP. Os ataques da polícia contra ele que o foram mas, se ele fosse melhor e mais democraticamente organizado, pode ter suportado o ataque. Portanto, esta não é uma crítica sem sentido ou facada nas costas. Eu amava o partido. E, de qualquer maneira, nem eu nem qualquer outra pessoa que critique o partido retrospectivamente, nunca vai tirar o enorme papel que o BPP teve no movimento de libertação negra da década de 1960. Mas temos de olhar para uma imagem completa das organizações a partir desse período, de modo que nós não repitamos os mesmos erros.

Acho que o meu breve período nos Panteras foi muito importante, porque ele me ensinou sobre os limites da - e até mesmo o fracasso da - direção em um movimento revolucionário. Não foi questão de um defeito de personalidade de determinado líder, mas sim uma percepção de que, muitas vezes, os líderes têm uma agenda, e os seguidores têm outra.

Eu também aprendi essa lição durante a minha associação com o Partido Socialista Popular Africano (APSP) durante os anos 1980. Quando eu saí de circulação, eu conheci Omali Yeshitela, quando eu estava preso na penitenciária federal de Leavenworth (Kansas), quando ele foi convidado a nossas festividades anuais do Dia da Solidariedade Negra, em 1979. Esta associação continuou quando eles formaram a associação de presos negros, a Organização Nacional Africana de Prisões, pouco depois. A ANPO foi definitivamente uma boa organização de solidariedade, e, juntamente com a filial de Kentucky da Aliança Nacional contra o Racismo e a Repressão Política, o Comitê News and Letters e a Federação Anarquista Revolucionária Social (agora extinta), eles escreveram cartas e fizeram telefonemas para que eu fosse hospitalizado quando tive tuberculose, o que salvou a minha vida. Mas o grupo quebrou quando a coalizão de organizações fundadoras desabou devido ao sectarismo.

Depois que eu saí da prisão, eu perdi o contato com eles, já que eles se mudaram de Louisville para a Costa Oeste. Só em 1987 que eu entrei novamente em contato com eles, quando estávamos organizando uma manifestação em massa contra a brutalidade policial na minha cidade natal. Eles foram convidados e vieram pro ato, juntamente com a ANPO e várias forças de esquerda e, durante dois anos, com idas e vindas, eu me associei com eles. Mas eu sempre vi o APSP politicamente como uma organização autoritária e, mesmo nunca tendo sido membro, eu fiquei cada vez mais desconfortável com as suas políticas organizacionais. No verão de 1988, eu fui para Oakland, Califórnia, para assistir a uma "escola de organizadores", mas eu queria um grupo em que eu ficasse satisfeito com o funcionamento interno. Durante seis semanas, eu trabalhei com eles, fora das suas sedes nacionais, na comunidade local. Eu consegui descobrir por mim mesmo sobre assuntos internos e sobre a política do grupo. Eu descobri  toda uma história de lutas de frações, expurgos, um estilo de direção ditatorial do Partido. Em Oakland, fui convidado para participar de uma reunião na Filadélfia,para reconstruir a ANPO.

Eu participei da reunião na Filadélfia, mas fiquei muito preocupado quando eu fui colocado automaticamente como parte de uma chapa para a direção da ANPO, sem qualquer discussão democrática real sobre a composição proposta, ou sem permitir que outros se apresentassem como candidatos potenciais. Eu fui colocado com o maior dirigente do grupo, de fato. Embora eu ainda acredite que deve haver um movimento de massas de presos políticos e, especialmente, presos políticos negros, me convenci de que não era este. Eu acredito é necessária uma verdadeira coalizão de forças negras e movimentos progressistas para construir uma base de massas de apoio. Eu tenho a sensação de que essas pessoas só queriam construir o seu partido, em vez de libertar os prisioneiros, e então eu simplesmente saí e não lidei com eles desde então. Fiquei muito desiludido e deprimido quando soube a verdade. Eu não vou ser usado por ninguém - não por muito tempo.

Os estágios iniciais do Comitê Coordenador Estudantil Não-Violento (SNCC) foram um contraste, em muitos aspectos, com qualquer grupo de libertação negra que veio antes ou depois. Parte dos ativistas do SNCC eram intelectuais universitários de classe média, com um pequeno número de ativistas de base da classe trabalhadora, mas eles desenvolveram um estilo de trabalho muito antiautoritário, que era exclusivo do movimento dos direitos civis. Em vez de trazer um líder nacional para conduzir as lutas locais, como o Dr. Martin Luther King Jr. e seu grupo, o Conselho da Liderança Cristã Sulista (SCLC), estavam acostumados a fazer, o SNCC enviava organizadores de campo para trabalhar com as pessoas locais e desenvolver uma liderança nativa, e ajudar a organizar, mas não controlar as lutas locais. Eles colocaram a sua fé na capacidade das pessoas para determinarem uma agenda que seria melhor para a obtenção de seus objetivos, ao invés de serem inspirados ou receberem ordens de um líder.O próprio SNCC não tinha líderes fortes, apesar de ter pessoas com autoridade na tomada de decisão, mas que eram responsáveis ​​perante a base e a comunidade, de uma forma sem igual em nenhum outro grupo no movimento dos direitos civis.

O SNCC também era uma organização laica, em contraste com SCLC, que foi formado por pregadores negros e copiou a forma de organização da igreja negra, com uma figura religiosa de autoridade que dava ordens às tropas. Hoje, a maioria dos comentaristas políticos e historiadores ainda não querem dar o devido crédito à eficácia do SNCC, mas muitas das lutas mais poderosas e bem-sucedidas do movimento dos direitos civis foram iniciadas e vencidas pelo SNCC, incluindo a maioria das lutas pelos direitos de voto e a fase do Mississippi do movimento de libertação. Eu aprendi muito sobre democracia interna sendo do SNCC, como ela pode construir ou quebrar uma organização, e como ela tem muito a ver com a moral dos membros. Todo mundo tinha a oportunidade de participar da tomada de decisões, e se sentir parte de uma grande missão histórica, que mudaria suas vidas para sempre. E eles estavam certos. Mesmo que o SNCC tenha dado muitas lições para a vida inteira para todos nós envolvidos, mesmo que tenha sido destruído pelos ricos e por si mesmo, por causa do seu estilo autoritário em anos posteriores.

Eu também comecei um processo de reformulação depois que eu fui forçado a deixar os EUA e ir para Cuba, a Checoslováquia e outros países do "bloco socialista", como era chamado. Ficou claro que esses países eram essencialmente Estados policiais, apesar de terem trazido muitas reformas significativas e avanços materiais para seus povos, em relação ao que existia antes. Observei também que o racismo também existe nesses países, juntamente com a negação dos direitos democráticos básicos e a pobreza em uma escala que eu não teria pensado possível. Vi também uma grande quantidade de corrupção entre os líderes do Partido Comunista e os administradores do Estado, que estavam bem de vida, enquanto os trabalhadores eram meros escravos assalariados. Eu pensei para mim mesmo, "tem que haver um caminho melhor!". Há sim. É o anarquismo, sobre o qual comecei a ler quando fui capturado na Alemanha Oriental,e ouvi falar mais um pouco quando eu estava finalmente preso nos Estados Unidos.

A prisão é um lugar onde se pensa continuamente sobre sua vida passada, incluindo a análise de idéias novas ou contrárias, e eu comecei a pensar sobre o que eu tinha visto no movimento negro, junto com meus maus-tratos em Cuba, a minha captura e fuga na Tchecoslováquia, e a minha captura final na Alemanha Oriental. Eu repassei tudo isso, cada vez mais na minha cabeça. Eu fui apresentado pela primeira vez ao anarquismo em 1969, logo depois que eu fui trazido de volta para os EUA e foi colocado na prisão federal em Nova Iorque, onde eu conheci Martin Sostre. Sostre me contou sobre como sobreviver na prisão, a importância de lutar pelos direitos democráticos dos presos, e sobre o anarquismo. Este curso de curta duração sobre anarquismo, entretando, não deu muito certo, mesmo que eu respeitasse muito o Sostre como pessoa, porque eu não entendi os conceitos teóricos.

Finalmente, por volta de 1973, depois que eu tinha sido preso por cerca de três anos, comecei a receber literatura anarquista e correspondência de anarquistas que tinham ouvido falar sobre o meu caso. Isso começou a minha metamorfose lenta para um anarquista convicto que, na verdade, só aconteceu alguns anos depois. Durante a década de 1970, eu fui adotado pela Cruz Negra Anarquista/Inglaterra e também por um grupo anarquista holandês chamado HAPOTOC (Comitê Organizador Ajude um Prisioneiro Lute contra a Tortura), que organizou uma campanha de defesa. Isto provou ser crucial,no fim, para levar pessoas de todo o mundo a escreverem para o governo dos EUA para exigir a minha libertação.

Eu escrevi uma sucessão de artigos para a imprensa anarquista, e foi membro da Federação Anarquista Revolucionária Social, da IWW, e de uma série de outros grupos anarquistas dos EUA e do mundo todo. Mas eu fiquei abatido pelo fracasso do movimento anarquista em lutar contra a supremacia branca e sua falta de política classista. Então, em 1979, eu escrevi um livreto chamado O Anarquismo e a Revolução Negra, para servir como guia para a discussão desses assuntos por nosso movimento. Finalmente, em 1983, fui libertado da prisão, depois de ter ficado preso quase 15 anos.

Por todos estes anos, o livreto influenciou uma série de anarquistas que se opunham ao racismo e também queriam uma abordagem mais classista do que a então proporcionada pelo movimento. Enquanto isso, eu tinha caído fora do movimento anarquista por desgosto, e não foi até 1992, quando eu estava trabalhando na minha cidade natal de Chattanooga, Tennessee, como organizador comunitário antirracista, que eu procurei um anarquista chamado John Johnson e mais uma vez fiz contato. Ele me deu um número do jornal Love and Rage e, como resultado, entrei em contato com Chris Day, da Love and Rage, e com os companheiros da WSA em Nova York. O resto, como dizem, é história. Desde então, eu voltei pra acertar as contas.

De repente, eu vejo agora que existem outros no movimento que entendem o funcionamento da supremacia branca, e eles têm me encorajado a reescrever este panfleto. Eu o fiz com gratidão. Por que eu sou anarquista? Eu tenho uma visão alternativa sobre o processo revolucionário. Há um caminho melhor. Vamos começá-lo!

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