O próprio meio de controle social usado pelos ricos é
o menos entendido. A supremacia branca é mais do que somente um
conjunto de ideias e preconceitos. É opressão nacional. Ainda
assim, para a maioria dos brancos, o termo conjura imagens dos
nazistas ou da Ku Klux Klan, e não do sistema de privilégios
brancos que subjaz ao sistema capitalista nos EUA. A maioria dos
brancos, inclusive os anarquistas, acreditam essencialmente que os
negros são “iguais” aos brancos, e que devemos lutar apenas por
questões “comuns”, em vez de lidar com questões “raciais”,
se é que veem alguma necessidade de lidar com elas. Alguns não vai
dizer isso de forma tão crua, eles vão dizer que ”as questões de
classe precedem”, mas isso quer dizer a mesma coisa. Eles acreditam
que é possível esperar para lutar contra a supremacia branca depois
da revolução quando, na verdade, não vai haver revolução se a
supremacia branca não for atacada e derrotada antes.
Não
haverá revolução nos EUA enquanto não houver luta para melhorar a
situação dos negros e povos oprimidos questão sendo privados dos
seus direitos democráticos, e sendo superexplorados como
trabalhadores.
Desde quase o
começo do movimento socialista norteamericano, a posição
economicista simplória de que tudo o que os trabalhadores negros e
brancos têm que fazer para chegar à revolução é a “luta
(econômica) conjunta” tem sido usada para evitar a luta contra a
supremacia branca. Na verdade, a esquerda branca sempre tomou a
posição chauvinista de que, já que a classe operária branca é a
vanguarda de qualquer maneira, por que se preocupar com um assunto
que vai “dividir a classe”? Historicamente, os anarquistas nem
mesmo compraram o discurso da “política racial”, como um
anarquista se referiu, na primeira vez que esse livreto foi
publicado. É uma evasão total da questão.
Mesmo assim, é a
classe dos capitalistas que cria a desigualdade como uma forma de
dividir para dominar toda a classe trabalhadora. O privilégio branco
é uma forma de dominação do capital sobre os trabalhadores
brancos, assim como sobre os das nacionalidades oprimidas, não
apenas dando incentivos materiais para “comprar” os trabalhadores
brancos e usá-los contra os negros e oprimidos. Isso explica a
obediência dos trabalhadores brancos ao capitalismo e ao Estado. A
classe trabalhadora branca não vê a sua melhor condição de vida
como parte do sistema de exploração. Depois de séculos de
doutrinação política e social, ela sente a sua posição
privilegiada como justa e correta e, pior ainda, “conquistada”.
Ela se sente ameaçada pelos ganhos sociais dos trabalhadores
não-brancos, que é o motivo dela ser tão veementemente contra os
planos de ações afirmativas para beneficiar as minorias no
trabalho, e para corrigir anos de discriminação contra eles. Também
é por isso que os trabalhadores brancos foram contra a maior parte
da legislação de direitos civis.
Assim, são as
manifestações cotidianas da supremacia branca que temos que
combater com mais vigor. Não podemos ignorar ou ficar indiferentes
às manifestações de raça e classe neste sistema, de forma que os
trabalhadores oprimidos continuem vitimizados. Por anos, os negros
foram os últimos a serem contratados e primeiros a serem demitidos
pela indústria capitalista. Além disso, os sistemas de
aposentadoria ativamente discriminaram por raça, e são pouco mais
que planos de previdência brancos. Os negros foram até mesmo
expulsos de indústrias inteiras, como a carvoeira. Mesmo assim, os
dirigentes sindicais brancos nunca foram contra ou interviram a favor
dos seus irmãos de classe, nem vão fazê-lo se não forem colocados
contra o muro pelos trabalhadores brancos.
Como já foi
apontado, existem incentivos materiais para este oportunismo do
trabalhador branco: melhores empregos, melhor salário, melhores
condições de vida em comunidades brancas etc, em suma, o que se
tornou conhecido como “estilo de vida de classe média”. Isso é
o que o movimento operário e a esquerda sempre lutaram para manter,
e não a solidariedade de classe, que precisaria da luta contra a
supremacia branca. Esse estilo de vida é baseado na superexploração
do setor não-branco da classe trabalhadora doméstica, assim como
dos países explorados pelo imperialismo no mundo todo.
Nos
EUA, o antagonismo de classe sempre incluiu o ódio racial como um
componente essencial, mas isso é estrutural, e não apenas
ideológico. Já que todas as instituições,a cultura, e o sistema
socioeconômico do capitalismo americano são baseados na supremacia
branca, como então seria possível lutar realmente contra o poder do
capital sem ser forçado a derrotar a supremacia branca? A economia
dual, com os brancos no topo e os negros na base (mesmo com todas as
diferenças de classe entre os brancos) resistiu com sucesso a todas
as tentativas dos movimentos sociais radicais. Esses reformistas
relutantes falaram de tudo, menos desse assunto. Mesmo conseguindo
reformas, em muitos coisas principalmente para os trabalhadores
brancos, os radicais brancos ainda não conseguiram derrubar o
sistema e abrir o caminho para a revolução social.
A luta
contra o privilégio branco também exige a rejeição da
identificação deturpada dos norteamericanos como um povo “branco”,
em vez de galego, alemão, irlandês etc, pela sua origem nacional. A
designação “raça branca” é supernacionalidade artificial,
criada para inflar a importância social das etnias europeias e
transformá-las em instrumentos do sistema de exploração
capitalista. Na América do Norte, a pele branca sempre implicou em
liberdade e privilégio: liberdade de emprego, de viajar, de obter
mobilidade social para fora da sua classe de nascimento, e todo um
mundo de privilégios eurocêntricos. Portanto, antes de uma
revolução social acontecer, deve haver a abolição da categoria
social “raça branca” (com poucas exceções neste ensaio, vou
começar a me referir a eles como “norteamericanos”).
Esses
“brancos” devem cometer suicídio de classe e traição de raça
para que possam realmente ser aceitos como aliados dos trabalhadores
negros e oprimidos nacionalmente; toda a ideia de “raça branca”
é para criar conformismo e torná-los cúmplices do assassinato em
massa e da exploração. Se os “brancos” não quiserem
comprometer com o legado histórico do colonialismo, da escravidão e
genocídio, então devem se rebelar contra ele. Então, os “brancos”
devem denunciar a identidade branca e o seus sistema de privilégios,
e devem lutar para se redefinirem e ao seu relacionamento com os
outros. Enquanto a sociedade branca (através do Estado, que está
agindo em nome dos brancos) continuar a oprimir e dominar todas as
instituições da comunidade negra, a tensão racial vai continuar a
existir, e os brancos em geral vão continuar a ser vistos como
inimigos.
Então, o que os norteamericanos têm que começar
a fazer para derrotar o oportunismo racial, os privilégios brancos e
outras formas da supremacia branca? Primeiro, eles devem derrubar os
muros que os separam dos seus aliados não-brancos. Então, juntos,
devem lutar contra a desigualdade no local de trabalho, nas
comunidades, e na ordem social. Ainda assim, não estamos nos
referindo somente aos direitos democráticos do povo africano quando
falamos de”opressão nacional”. Se a questão fosse só isso,
talvez com mais reformas fosse possível obter a igualdade racial e
social. Mas não, não é disso que estamos falando.
Os
negros (africanos nos EUA) são um povo colonizado. OS EUA são uma
pátria com uma colônia interna. Para os africanos nos EUA, a nossa
situação é de opressão total. Nenhum povo é realmente livre,
anão ser que possa determinar o seu próprio destino. A nossa
situação colonial, oprimida, de cativeiro, é que deve ser
destruída, não somente esmagando o racismo ideológico ou a negação
dos direitos civis. Na verdade, a não destruição da colônia
interna significa provavelmente a continuação desta opressão sob
outra forma. Devemos destruir a dinâmica social da própria
existência dos EUA ser feita de uma nação branca opressora e uma
nação negra oprimida (na verdade, várias nações cativas).
Isso exige que o
movimento de libertação negra liberte uma colônia, e é por isso
que não é uma simples questão dos negros se somando aos
anarquistas brancos no mesmo tipo de luta contra o Estado. Também é
por isso que os anarquistas não podem ter uma posição rígida
contra todas as formas de nacionalismo negro (especialmente os grupos
revolucionários como os Panteras Negras), mesmo se houver diferenças
ideológicas sobre a forma como eles são criados e funcionam. Mas os
norteamericanos devem apoiar os objetivos dos movimentos de
libertação dos racialmente oprimidos, e devem desafiar abertamente
e rejeitar o privilégio branco. Não existe outro caminho, e não
existe atalho; a supremacia branca é uma grande barreira contra a
mudança social revolucionária nos EUA.
A revolução negra e
outros movimentos de libertação nacional nos EUA são partes
indispensáveis da revolução social. Os trabalhadores
norteamericanos devem se juntar aos africanos, latinos, e outros,
para rejeitar a injustiça social, exploração capitalista e
opressão nacional. Os trabalhadores norteamericanos certamente têm
um papel importante em ajudar essas lutas a triunfarem. Só o apoio
material que pode ser reunido pelos trabalhadores brancos para a
revolução negra pode decidir a vitória ou derrota da luta, em
determinada fase.
Eu estou gastando
tempo para explicar tudo isso porque, previsivelmente, alguns
anarquistas puristas vão tentar argumentar que ter um movimento
branco é uma coisa boa, que os negros e outras nacionalidades
oprimidas só têm que embarcar no “Navio Anarquista” (uma Nau
dos Loucos?) e que tudo isso é só “baboseira marxista de
libertação nacional”. Bem, sabemos que parte da razão de ser de
um movimento anarquista antirracista é desafiar a perspectiva
chauvinista dentro do nosso próprio movimento. Uma Federação
Anarquista Antirracista não existiria somente para combater os
nazistas. Temos que desafiar e corrigir posições racistas e
doutrinárias sobre raça e classe no nosso movimento. Se não
pudermos fazer isso, então não poderemos organizar a classe
trabalhadora, negra ou branca, e não serviremos para nada.